O BERIMBAL
MESTRE SABÚ E A CAPOEIRA DE RUA DA PRAÇA CÍVICA EM GOIÂNIA/GO
Segundo Brito (2009): A história da capoeira de Goiás ficaria incompleta se deixássemos de falar das Rodas de Capoeira da Feira Hippie na Praça Cívica. A Praça Cívica nos anos 70, juntamente com o Lago das Rosas, era o cartão postal de Goiânia. O lugar mais visitado da cidade. Seu monumento às três raças, o Palácio do Governador, o Museu Zoroastro Artiaga e a belíssima fonte Luminosa eram suas principais atrações. Sua beleza e excelente localização obrigavam a maioria dos transeuntes a passar por ela quando se dirigiam ao centro da cidade. O local representava em suas paisagens o reflexo de uma cidade moderna do século XX, onde as principais avenidas convergem para a praça, o marco zero da cidade planejada. Seu nome oficial é Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, o local tem a função administrativa da cidade. Para Vieira (1973) a entrada da Capoeira em Goiás aconteceu de forma privilegiada, uma vez que o Estado demonstrava-se aberto às manifestações culturais vindas de outras partes do país, tornando a assimilação da Capoeira pacífica entre nós. Contudo, Brito (2009) e Tucunduva (2009), nos apresentam que apesar desta “abertura”, ela foi permeada por preconceitos e discriminações, principalmente no que se refere à Capoeira Angola. Esta prática cultural tem início na década de 1960 na sociedade goianiense, pelo trabalho de Manoel Pio Sales, mas todos o conhecem e o chamam pelo seu apelido – Mestre Sabú, goiano nascido na cidade de Goiás, ele teve contato com a Capoeira Angola de Mestre Caiçara (renomado capoeirista baiano) ainda criança quando morou na Bahia, junto com um tio. Na maioridade, retorna da Bahia e vê a oportunidade de ensinar a arte da Capoeira Angola aos seus conterrâneos. Nessa época pouco ou quase nada se sabia sobre capoeira, e seus vizinhos da Vila Redenção em Goiânia estranharam essa nova prática advinda da Bahia com gestos, movimentos e sons que nunca tinham ouvido antes, chegando a suspeitar que se fosse um “terreiro de macumba”. Estigmatizada a prática de capoeira de Mestre Sabú, foi alvo de intolerância e discriminação: Mestre Sabú conta que seu maior inimigo, no início, era o preconceito. Segundo ele, nas apresentações, era ovacionado, aplaudido de pé, mas no dia a dia, na rua, e pelos vizinhos, era visto como uma pessoa não quista, pois o ritmo dos instrumentos os incomodava e o tinham como macumbeiro. Frequentemente os vizinhos chamavam a polícia para acabar com a sua roda na academia. A estratégia que usou contra o preconceito foi divulgar ainda mais a capoeira pela cidade. (BRITO, 2009, p. 33) Mesmo não sendo mais perseguida pela polícia, deixando de ser coisa de “malandro”, no imaginário popular a capoeira causou estranhamento, principalmente em se tratando de Capoeira Angola, que tem alguns instrumentos que são comuns na religião afro-brasileira denominada de Candomblé, como o Atabaque e o Agogô. Essa semelhança ativa a percepção das pessoas que por terem uma (in) formação diferente, podem concebê-las como práticas iguais. Além disto, também não podemos ignorar o preconceito racial e social, ainda presentes na sociedade, que abomina práticas que fogem dos cânones hegemônicos. Isso é verificável na e pela experiência, dos sujeitos sociais que sentem na pele o preconceito velado, aos moldes do mito da democracia racial. Conforme nos afirma Reis (2010, p. 59) a Capoeira Angola passou pela desvalorização de sua prática nas décadas de 1960 e 1970, sendo este um momento de auge para a Capoeira Regional, que conquistava o mercado das artes marciais. E, somente ao longo da década de 1980 e 1990, que a Capoeira Angola é “revalorizada como “depositária da tradição”, no bojo da valorização da negritude e do crescimento da “consciência negra”.”. Enquanto isso, em Goiânia na década de 1960, Mestre Sabú, insiste em contornar o processo de desvalorização vivido na época e não perde o interesse de divulgação, em suas palavras reafirma sua trajetória de resistência cultural: “[…] eu mantive a capoeira viva até ter a aceitação pela sociedade, pois não tinha aceitação infelizmente.” (TUCUNDUVA, 2009, p. 31). O espaço para a Feira Hippie na praça foi conquistado com protestos pelos artesões da cidade, a partir do movimento de apropriação da Praça Cívica pelos Hippies em 1970, chamando a atenção do poder público e da população.. Assim, Mestre Sabú se uniu a esse grupo de artesão da cidade, de modo a marcá-lo na história. Além de ensinar capoeira no seu Terreiro de Capoeira Angola na Vila Redenção, ele também fabricava neste mesmo lugar instrumentos, como: atabaque, agogô, afoxé, nazal, reco-reco, maracá, tamborim, surdo, cuíca, tumbadôra, timbal, berimbau, ganzá, sendo uma fonte de sobrevivência para se dedicar exclusivamente à Capoeira. Todos os domingos ele participava da famosa Feira Hippie que acontecia na Praça Cívica. Logo, ele não somente se apresentava como também aproveitava para expor e vender os instrumentos que fabricava em sua escola de capoeira. Sobre os feitos de Mestre Sabú, há relatos que eles iam além das apresentações de Capoeira Angola era uma atração a parte: cantava, jogava e ocasionalmente se apresentava com seu monociclo. Neste palco protagonizou vários eventos da cultura afro-brasileira, apresentando a Capoeira Angola, Maculelê, Samba de Roda, Puxada de Rede e Dança do Tapuio, mostrando para a sociedade os valores de uma cultura popular que estava ao alcance de todos (TUCUNDUVA, 2009). Foram muitos anos de trabalho nesta feira, era dali que saia o sustento de sua família e de sua arte, foi ali também que muitos jovens tiveram seu primeiro contato com a Capoeira Angola e posteriormente puderam praticá-la com este mestre.
“Oh minha filha, das grandes rodas. Eu abri roda em 1970 em Brasília na Torre TV, eu fui o primeiro mestre a abrir roda ali, me dá saudade. É quase trinta anos de roda de frente o palácio das esmeraldas todo domingo mais de duas mil pessoas assistindo, tem filmagem, aí dá saudade. Eu que comecei essa feira Hippie, foi eu quem fechava ali para o trânsito não passar. O tempo que era só a arte tudo feito a mão, hoje é feito tudo industrializado, mais para ganhar dinheiro, não tem cultura nenhuma.” Mestre Sabu, faleceu dia 27 de fevereiro de 2017, em Goiânia
Os lugares evocam lembranças, mas as lembranças também evocam os lugares e as relações sociais que ali foram estabelecidas. A Praça Cívica de Goiânia é esse lugar de memória, o lugar para Mestre Sabú, para outros capoeiristas e para a sociedade goianiense. E a partir dali, surge a capoeira praticada em Araguari, porque foi ali que Mestre Moreno, o introdutor da capoeira em Araguari, aprendeu os ofícios da nobre arte. Mas esses serão outros capítulos de nossa coluna semanal…