O BERIMBAL
Mestre Onça Preta
Essa é mais uma das histórias da capoeiragem carioca pouco difundidas. Nascido em 1909, alguns dizem que foi aluno de ABERRÊ, ele mesmo alegou tempos depois numa entrevista ao Jornal O Dia que também teve outras referências.
Viveu na transição da primeira para a segunda geração de grandes mestres de Salvador, conhecendo NORONHA, PASTINHA, AMORZINHO, VITOR H.Ú, e entre outros o famoso SAMUEL QUERIDO DE DEUS (autor da cabeçada jogando com Ularé), considerado por muitos o maior capoeirista da cidade na década de 30. Quando pequeno, assistiu a morte de vários capoeiristas, através da perseguição de PEDRITO (Chefe de Polícia de Salvador da década de 20).
Sua vida realmente muda, a partir de 1937 no II CONGRESSO AFRO-BRASILEIRO, que ocorreu na Bahia. Havia muita expectativa sobre esse evento, pois o primeiro tinha sido em Recife em 1934, organizado por GILBERTO FREIRE, e não tinha sido muito bem sucedido devido o enraizamento forte do EUGENISMO nos circuitos acadêmicos de Recife dos anos 30. A responsabilidade de realizar um Congresso que fizesse um contraponto à produção acadêmica da época foi dada a EDISON CARNEIRO. Trazer o negro e seus aspectos socioculturais para o centro do debate acadêmico discutindo também sua contribuição para a formação da sociedade brasileira foi o grande desafio desse evento e para seu sucesso ele convidou para participar dos trabalhos e organização vários sacerdotes de matriz africana (Mãe ANINHA, BERNARDINO BATE-FOLHA, JOÃOZINHO DA GOMÉIA, MARTINIANO DA BONFIM entre outros) e grandes capoeiristas da época (Onça Preta, Samuel Querido de Deus, Barbosa, Juvenal, entre outros), conforme jornal Estado da Bahia.
O encontro foi um sucesso, aonde teve apresentações de artigos científicos tanto de pesquisadores e intelectuais brasileiros (Artur Ramos e Jorge Amado) quanto de norte-americanos como HERSKOVITS (representante da escola cultural de Boas) e DONALD PIERSON (representante da Escola de Chicago e esteve presente no Congresso), houve visitas aos templos religiosos do GANTOIS, CASA BRANCA, BATE-FOLHA e ILÊ OGUNJÁ, apresentações da culinária baiana e de representantes da capoeira angola, foi nesse momento que o menino Onça Preta faz seu famoso jogo com o consagrado Samuel Querido de Deus, que entra para a história do Congresso.
A musicalidade, o bailado dos corpos e a história da luta encanta todos os participantes e os transforma em celebridades da noite para o dia. Como legado deixado, pode ser citado o aproveitamento desses estudos pelo Governo Getúlio Vargas, que estudava a possibilidade de descriminalização da capoeira e as deliberações assinadas por todos pela liberdade religiosa de cultos de matriz africana. Todas essas práticas eram proibidas por Lei em 1937. Também foi criado a União das Seitas Afro-brasileiras da Bahia para estudo dos processos de aculturação e vários convites foram feitos para Artur Ramos e Edison Carneiro visitarem EUA e darem palestras sobre o assunto.
Onça Preta passou a transitar entre os grandes mestres da capoeira, inclusive seu nome consta nos manuscritos (que depois viraram livro) de mestre Noronha como um dos fundadores da lendária roda da GEGIBIRRA, que em 1941 passou a ser comandada por Mestre PASTINHA, com a morte dos mais velhos. O capoeirista passa a ser tão famoso que seu nome é citado em uma reportagem da Revista CRUZEIRO nº 12, em 10 janeiro de 1948. Um episódio marcou a vida do mestre para sempre, numa roda no JULIÃO, localizada na CIDADE BAIXA a polícia acabou com a roda com a cavalaria, a vigilância não deu o alerta a tempo e os capoeiristas foram pegos de surpresas, um deles foi Onça Preta que teve suas pernas pisoteadas pelos cavalos. Talvez por isso, não se tenha tanto registro do mestre no final da década de 40 e início de 50, quando ele parou com capoeira para tratamento. Isso depois foi relatado pelo próprio em entrevista em jornal.
Na década de 50, Onça Preta resolve vim para o RJ e junto com outros baianos angoleiros (ROQUE, MUCUNGÊ, DOIS DE OURO, BALEADO e IMAGEM DO CÃO) que aqui já estavam criaram um movimento cultural que deu origem ao grupo de capoeira chamado FILHOS DE ANGOLA, com data de fundação de 21 de julho de 1960.
No Rio de Janeiro, o mestre trabalhou muito tempo como servente no Hospital de Puericultura, morou na Ilha do Governador e teve como aluno o mestre INAUÁ, que manteve a sua linhagem formando os mestres King Kong e Cláudio São Bento. Também se referia a ele como seu mestre e maior referência o mestre MUCUNGÊ. Mestre ARERÊ se aproximou dele quando ele foi morar na Ilha e fez várias entrevistas, uma delas na sua casa que proporcionou o registro da foto dessa postagem. Em 1985, o mestre se mudou para São Paulo. Onça Preta faleceu no dia 27 de agosto de 2007 com 98 anos.