Relacionamento do Gato com o Homem
Manoel, o mecânico da garagem do Edifício dos Bancários, situado no sub-solo daquela alta construção que se erguia na rua Marquês de Abrantes, estava furioso. Ele era um hábil mecânico, mas desta vez não conseguia consertar o automóvel de um morador, seu antigo freguês.
Ele se comprometera com o proprietário do carro a entregá-lo em perfeito funcionamento às 11 horas da manhã. Mas o motor continuava irredutivelmente emperrado.
De um momento para outro chegaria o proprietário do carro, que dele precisaria para ir ao centro da cidade resolver negócios de homem rico.
Manoel sentiu-se fracassado. Encolerizou-se consigo próprio, contra a maldita máquina, contra o mundo todo.
Aconteceu ainda que uma gata, sem habitação e alimentação regular, era amiga de Manoel. Ela aparecia, não se sabe de onde, naquele mesmo horário junto a Manoel para partilhar com ele o almoço que o mecânico trazia de sua casa. Ele a chamava de Mimi.
Manoel não era um mero mecânico. Possuía sensibilidade e gostava de animais, sentimento raro no ser humano. Mas o mecânico estava de muito mau humor, ferido em seus brios.
Por isso foi grosseiro com a gata amiga. Dirigiu-se a ela asperamente: “Hoje não tem almoço, não. Pode ir embora”.
A gata Mimi afastou-se devagar. Algum tempo depois voltou trazendo na boca um rato que ela caçara pouco antes. Colocou-o tranquilamente aos pés de Manoel: ele não tem nada para comer hoje. Toda sua fúria tombou diante do gesto de Mimi. Manoel ficou perplexo esquecendo o automóvel e seu rico proprietário.
Que fazer agora? Certamente ele não comeria o rato recém caçado. Jogá-lo no lixo seria magoar Mimi. Então tomou uma folha de jornal e embrulhou delicadamente o rato morto. Disse a Mimi: “Vou guardá-lo por enquanto no vão da escada que conduz ao 1º andar, onde troco minha roupa de rua pelo macacão de trabalho. Hoje almoçaremos mais tarde quando eu terminar minha tarefa”.